Dia Mundial do Turismo, 27 de setembro de 2017
Introdução
Ao celebrarmos o Dia Mundial do Turismo, no próximo dia 27 de setembro, quis a Organização Mundial do Turismo definir como tema para este dia: Turismo Sustentável – um instrumento ao serviço do progresso; integrando-o na orientação global da Organização das Nações Unidas, que definiu o ano de 2017 como Ano Internacional do Turismo Sustentável para o desenvolvimento. Uma proposta de reflexão e de ação que, por certo, mobilizará todas as instituições ligadas, direta ou indiretamente, à ação turística, na valorização das suas possibilidades e exigências.
A Igreja, como sempre tem feito, desde a instituição do Dia Mundial do Turismo, em 1980, aponta-nos o seu contributo para a reflexão, a propósito deste dia, com uma Mensagem própria, pela primeira vez da responsabilidade do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, onde a pastoral do turismo agora se integra. Tomando como tema de reflexão o que foi proposto pelo organismo que tutela mundialmente o turismo, a Igreja abre-nos universalmente algumas perspetivas que urge adequar à nossa realidade nacional. Assim, tomamos, de igual modo, o tema do dia, à luz do qual fazemos a sua releitura eclesial em âmbito nacional.
- A mensagem da Santa Sé
Numa permanente solicitude da Igreja «em promover o desenvolvimento integral do homem à luz do Evangelho»[1], o Dicastério da Santa Sé releva o compromisso eclesial de contribuir para que o turismo promova um efetivo progresso dos povos, atendendo especialmente aos mais desfavorecidos.[2] Nesta perspetiva, antes de atender a aspetos técnicos da atividade turística, contempla o homem no seu todo, enquanto centro de toda a atividade humana, recorda o destino universal dos bens e a missão, que cabe a todo o ser humano, de custodiar a criação que lhe foi entregue, para que dela cuide de forma diligente. Daí que afirme, na sua reflexão: «Reconhecemos Deus como Criador do universo e Pai de todos os homens, que nos faz irmãos uns dos outros. Colocamos no centro a pessoa humana, reconhecemos a dignidade de cada um e a relação entre os homens; compartilhamos o princípio do comum destino da família humana e o destino universal dos bens da terra»[3], para acrescentar ainda que «desta forma, o ser humano não age como dono, mas como administrador responsável»[4], de modo a que «reconhecendo-nos irmãos, compreenderemos o princípio de gratuidade e a lógica do dom e os nossos deveres de solidariedade, justiça e caridade universal»[5]. Só assim, entende a Igreja, podemos chegar a um «turismo com rosto humano»[6], precisamente porque compreendido como uma atividade «ao serviço do desenvolvimento integral da pessoa»[7] e realizando aquele princípio, já afirmado pela Populorum Progressio, de contribuir para «promover todos os homens e o homem todo»[8].
Posto isto, a Igreja lança o olhar sobre os inquestionáveis benefícios económicos, sociais e culturais, que o turismo comporta hoje para um significativo número de pessoas e povos, seja pela via dos que trabalham nesta área da atividade humana, dos que viajam, ou dos estados, cuja economia muito beneficia da atividade turística.[9] Salientando, ainda, que o turismo pode constituir-se como um «instrumento importante para o crescimento e o combate à pobreza»[10]. Sem deixar, no entanto, de advertir para os riscos que o turismo pode representar, em vários âmbitos.[11]
Com efeito, se a Igreja reconhece, na resolução de 2017, das Nações Unidas, um instrumento de melhoria das condições económicas e laborais, sociais, culturais e ambientais, não deixa de reafirmar o seu conceito de integralidade que subjaz ao sentido de desenvolvimento humano, pretendido com uma visão de autêntica sustentabilidade. Assim, só se atinge verdadeiro progresso humano, se este implicar todas as dimensões da vida, nas suas diversas vertentes: «social, económica, política, cultural e espiritual»[12], cuja síntese é ainda, na afirmação do Dicastério, a própria «pessoa humana»[13].
- Turismo sustentável e progresso, em âmbito nacional
Assumindo tudo quanto fica exposto, como reflexão a levar à prática também entre nós, sublinhamos particularmente aquele princípio de que o homem está no centro de toda a atividade humana, como ensina o Concílio Vaticano II (cf. GS. 12); que os bens têm um destino universal (cf. GS. 69); e que todos nós somos chamados a custodiar a criação, numa verdadeira «conversão ecológica», a que nos convida o Papa Francisco (cf. LS. 217). Como múltiplas vezes temos afirmado, o turismo é uma atividade de pessoas para pessoas, sabendo que a atividade turística só contribuirá para um autêntico desenvolvimento integral quando considerar todas as dimensões da vida humana, como acima se referiu. Também a visão do turismo em Portugal deverá evoluir, cada vez mais, para um olhar que ultrapasse os proveitos económicos, considerando-o nas suas múltiplas vertentes, atendendo permanentemente ao serviço à pessoa – do visitante e dos visitados –, prosseguindo, assim, aquele princípio, já enunciado, de «promover todas as pessoas e a pessoa toda» (PP. 14); quer quando considera o sujeito, quer quando o compreende em contexto comunitário. Só com esta visão integral poderemos afirmar um autêntico desenvolvimento e progresso, no âmbito da atividade turística, pois esta tem como seu centro fulcral a pessoa e o serviço que lhe é prestado, nos vários âmbitos desta atividade. Olhar o turismo apenas por um dos seus elementos – a realidade económica -, sem uma visão de conjunto, seria coarctar os seus objetivos, restringindo-o a uma das suas dimensões utilitárias, mas sem a perceção do todo que lhe dá corpo enquanto atividade humana. E no turismo, mais ainda que noutras atividades, a pessoa constitui sempre o seu centro gravitacional, de onde tudo parte e a quem tudo regressa.
Não obstante o que considerámos, são inquestionáveis os proveitos económicos do turismo e o seu contributo atual para o desenvolvimento do país. Importa, contudo, é que tais proveitos sirvam a todos, de forma equitativa, seja pelo acesso a novas possibilidades de emprego e respetiva qualificação dos trabalhadores, seja pelo reinvestimento que favoreça as empresas e concomitantemente as comunidades onde estas estão implantadas, seja mesmo na promoção de uma atividade turística diversificada, capaz de corrigir assimetrias regionais, potenciando os múltiplos fatores de atração que se encontram na diversidade do território nacional. Felizmente que esta tem sido uma preocupação dos organismos responsáveis pelo turismo em Portugal, mas com a consciência de que há ainda um longo trabalho a realizar, sobretudo no que toca a corrigir a assimetria ente litoral e interior. Só com esta olhar alargado, capaz de permear todo o território nacional, estaremos em condições de realizar um desenvolvimento e progresso equitativo, não obstante as diferenças regionais, que realize esse destino universal de um bem: o turismo enquanto promotor do desenvolvimento local. Para tal desiderato, é urgente preservar cada cultura local, na sua diversidade e especificidade, oferecendo-a aos visitantes como um ativo singular que revaloriza permanentemente a atividade turística; enquanto, por outro lado, se potencia a preservação das identidades e culturas locais, que podem tender, cada vez mais, a homogeneizar-se com a massificação cultural, por via dos meios de comunicação e de uma certa perda da memória. As culturas locais, na sua diversidade, integram uma identidade comum, que constitui um verdadeiro «ativo diferenciador», assim qualificado pelo Turismo de Portugal, no plano estratégico do turismo para o futuro próximo[14]. Urge, portanto, promovermos as culturas locais e os seus valores, investindo no cuidado do património material e imaterial, conscientes de que estas são, cada vez mais, um elemento de sustentabilidade turística, pelo que têm de genuíno e singular, constituindo esse ativo de atração.
Um fator determinante para a atividade turística é o contacto com a beleza da criação, seja ela facultada pela imensidão do mar, pela beleza dos nossos rios, ou pelo verde das nossas florestas. Portugal é um país dotado de imensas belezas naturais. Com uma costa marítima que se estende, como fonteira, ao longo de quase todo o território nacional, de norte a sul; serpenteado de inúmeros rios e riachos; detendo uma floresta vasta, que ocupa boa parte do território, Portugal tem um património natural singular para oferecer a quem nos visita. Infelizmente, por incúria, por malvadez ou mesmo por crime, o país vê-se devassado, destruído e maltratado numa das suas maiores riquezas – a floresta. Se necessitamos urgentemente de novas políticas de reflorestação, após os incêndios que, a cada ano, parecem destruir cada vez mais; se necessitamos de novas formas de gestão das nossas florestas, tornando-as mais diversificadas e protegidas; necessitamos, muito especialmente, de uma nova educação ecológica. O Papa Francisco não se cansa de nos apelar a esta nova consciência, que permita «o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida» (LS. 202). Aos cristãos e a todos os homens de boa vontade, o Papa pede mesmo que nos eduquemos para a aliança entre a humanidade e o ambiente, apontando-nos ainda para a contemplação do Mistério, onde se funda toda a criação. Com efeito, afirma o Papa Francisco: «A educação ambiental deveria predispor-nos para dar este salto qualitativo para o Mistério, do qual uma ética ecológica recebe o seu sentido mais profundo» (LS. 210).
E se até aqui nos referimos apenas à floresta, há que acrescentar o cuidado na gestão dos recursos hídricos, particularmente quando estes parecem começar a escassear, com secas mais longas; o recurso a novas fontes energéticas, denominadas limpas, pelo seu menor impacto no equilíbrio ambiental; ou ainda o tratamento de resíduos que, fruto de novas conceções de vida em sociedade, se vão multiplicando. Há uma imensidão de recursos ambientais que temos de cuidar. Mas aqui, transversalmente, todos temos de cuidar da educação ambiental: escolas, instituições, igrejas, famílias… para que se opere uma verdadeira «conversão ecológica» (LS. 217), nas palavras do Papa Francisco. Portugal necessita urgentemente desta educação e da promoção destes valores, sob pena de pormos em causa este património fundamental para a sustentabilidade e, consequentemente, para a atividade turística. Na verdade, o conceito de desenvolvimento sustentável, que remonta a 1987, definido pela Organização das Nações Unidas, e que se define pelo «desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir as suas próprias necessidades», aplicando-se a todos os âmbitos da vida em sociedade, assume particular acuidade quando nos referimos às questões ambientais. Pois a defesa do ambiente – da nossa casa comum – surge-nos como uma espécie de emergência na hora presente.
O turismo, pela sua natureza, é beneficiário do progresso humano e da sustentabilidade; mas é igualmente responsável por um renovado progresso, assente sobretudo na construção de novos laços de fraternidade e de cooperação, que nos conduzam a um desenvolvimento efetivo, onde a fraternidade há-de brilhar como desígnio comum e o empenho na construção de um mundo mais próximo, nos leve à revalorização da singularidade de cada um.
Conclusão
Fundamentados nos valores enunciados, prossecussores de um autêntico progresso, e com a preocupação de aprofundar algumas destas dimensões na atividade turística, querendo-a ainda mais sustentável e promotora de um autêntico desenvolvimento, a nível nacional, que contemple a totalidade do território, na sua diversidade e riqueza, sempre ao serviço das pessoas que nos visitam e das que são visitadas, numa partilha que se pretende enriquecedora e fraterna, vai a Obra Nacional da Pastoral do Turismo, em parceria com o Serviço Diocesano de Pastoral do Turismo de Bragança-Miranda, organizar as suas IIIas Jornadas Nacionais de Pastoral do Turismo, onde as três dimensões essenciais propostas pela Organização das Nações Unidas, para a vivência do ano de 2017, como o Ano do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento, vão ser analisadas e debatidas, com a colaboração de um vasto conjunto de especialistas, bem como de pessoas responsáveis pelo turismo, ou que já desempenharam funções públicas nesta, ou noutras áreas. Esperamos, assim, contribuir para uma reflexão mais amadurecida, para que a proposta deste ano nos conduza a uma prática efetiva de maior desenvolvimento e sustentabilidade na atividade turística.
Lisboa, 19 de Setembro de 2017
Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho
Diretor da Obra Nacional da Pastoral do Turismo
[1] DICASTÉRIO PARA O SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO INTEGRAL – Turismo Sustentável: um instrumento ao serviço do progresso. Mensagem para o Dia Mundial do Turismo 2017. Vaticano, 29 de Junho de 2017, nº 4.
[2] Cf. Ibidem, nº 4.
[3] Ibidem, nº 4.
[4] Ibidem, nº 4.
[5] Ibidem, nº 4.
[6] Ibidem, nº 4.
[7] Ibidem, nº 4.
[8] Ibidem, nº 3.
[9] Cf. Ibidem, nº 2.
[10] Ibidem, nº 3.
[11] Ibidem, nº 2.
[12] Ibidem, nº 3.
[13] Ibidem, nº 3.
[14] Cf. TURISMO DE PORTUGAL – Estratégia Turismo 2027. Março de 2017, p. 46. (Disponível em www.turismodeportugal.pt).