Celebrando o Dia Mundial do Turismo, no próximo dia 27 de setembro, a Organização Mundial do Turismo propõe-nos como tema: Turismo para todos: promover a acessibilidade universal. A Igreja Católica, através do Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, assumindo o mesmo tema, oferece-nos uma mensagem que deve ser universalmente acolhida.

Também entre nós, Igreja Portuguesa, esta é a reflexão fundamental para este dia, que devemos acolher e meditar, em ordem à sua concretização prática. Não obstante, partindo desta mensagem, sublinharemos alguns aspetos que, entre nós, julgamos merecerem especial atenção.

1. É de todos conhecido o permanente aumento numérico de pessoas em movimento devido a atividades turísticas, seja no turismo internacional ou no turismo interno. Se globalmente o número de um bilião de turistas foi já ultrapassado, prevendo-se para 2030 que se alcance a cifra de dois biliões, em Portugal o número continua igualmente a crescer, tendo o ano de 2015 registado 17,4 milhões de turistas, num acréscimo de 8,6% relativamente ao ano anterior, naquele que foi já considerado o melhor ano para o turismo em Portugal.

2. O turismo, pela sua natureza, exerce uma função claramente positiva na vida das pessoas e das comunidades, não obstante alguns perigos que devem ser prevenidos e combatidos. O turismo humaniza, porque é ocasião de repouso, naquela correspondência às necessidades do homem, onde o equilíbrio pessoal, na sua globalidade, corresponde ao sentido antropológico do repouso; é uma oportunidade para o reconhecimento recíproco de povos e culturas; é um instrumento de desenvolvimento económico; promove a paz e o diálogo entre pessoas e povos; oferece-se como possibilidade de educação e crescimento pessoal, nomeadamente no encontro com a natureza, com os outros e com Deus.[1] Valores que, entre nós, devem ser permanentemente assumidos, fazendo da atividade turística não apenas uma fonte de receita, que muito contribui para o desenvolvimento económico do país, mas igualmente uma plataforma de encontros, onde se criem as condições de um novo humanismo e de uma autêntica fraternidade. Portugal é considerado como um país que sabe acolher; mas deve desenvolver permanentemente esta qualidade, de modo a que a atividade turística seja essencialmente um espaço de partilha e de nova humanidade, onde todas as diferenças se respeitam, na sua diversidade, mas se esbatam numa nova fraternidade.

3. Certo é que o turismo, com todos estes benefícios, não é ainda um direito assegurado a todos, como prevê o Código Mundial de Ética do Turismo, ao afirmar: “o turismo constitui um direito aberto do mesmo modo a todos os habitantes do mundo, e nenhum obstáculo deve ser interposto no seu caminho”[2]. E se esta é uma realidade evidente em países em vias de desenvolvimento, onde escasseiam, inclusive, as respostas às necessidades básicas para uma vida digna, não deixa de ser também uma realidade presente entre nós. Muitas são ainda as faixas da população, sobretudo as mais pobres e envelhecidas, que não têm acesso aos benefícios do turismo. Várias são ainda as crianças e jovens que, vivendo em famílias sem recursos, não podem usufruir deste bem global. Muitos idosos, quantas vezes isolados, em zonas geográficas mais interiores, se veem limitados no usufruto destas novas possibilidades, não só pela falta de recursos, mas devido inclusive a esse isolamento. É certo que muitos municípios têm hoje, entre nós, a preocupação em proporcionar a algumas pessoas, ou mesmo faixas etárias, a vivência de atividades turísticas. Mas não é ainda o suficiente. Temos de ir mais além, para que o usufruto do turismo se torne verdadeiramente um bem acessível a todos.

4. Para promovermos um “turismo para todos”, urge, desde logo, criar condições de vida às famílias e à sociedade, no seu todo, de modo a que a prática do turismo acompanhe uma melhoria de vida global de todos os cidadãos. Contudo, esta será sempre a perspetiva ideal, não realizável a curto ou mesmo a médio prazo, pois Portugal continua a ter um número elevado de pobres. Segundo as estatísticas, um em cada cinco portugueses vive na pobreza, perfazendo estes um total de cerca de dois milhões de pobres. Neste contexto, sem descurar as políticas de emprego, promoção e formação das pessoas, de modo a que todos possam usufruir de condições de vida dignas, necessitamos de implementar o denominado “turismo social”[3]. Seja mediante “iniciativas que ajudam as pessoas e as famílias a encontrar financiamento”[4] para alguma atividade turística, seja pela “programação e desenvolvimento de determinadas atividades turísticas”[5], acessíveis a todos. O “turismo social” carece, contudo, do envolvimento de todos: serviços públicos, empresas, instituições e cidadãos particulares. Só numa perspetiva de responsabilidade social, por parte de uns, e da prática da solidariedade, por parte de outros, esta forma de proporcionar os benefícios do turismo aos mais desfavorecidos se tornará viável.

Também a Igreja tem aqui um papel fundamental a desempenhar, no âmbito da vivência da autêntica caridade. A atenção aos mais desfavorecidos das nossas comunidades pode passar por múltiplas ações, no âmbito da atividade turística: as colónias de férias, que muitas paróquias realizaram no passado e hoje alguns institutos religiosos ainda mantêm; as viagens organizadas pelas paróquias, em que aqueles que têm mais possibilidades económicas contribuem para a participação daqueles que as não têm; um ou outro fundo paroquial, resultante da partilha de todos, com o objetivo de permitir a algumas famílias usufruírem de algum tempo de férias em locais distintos da sua residência habitual; a disponibilização de casas ou espaços particulares, para que algumas famílias, a título gratuito, possam usufruir dos espaços turístico; entre outras. Múltiplas são as possibilidades de corresponder a este desafio de promovermos, entre nós, o “turismo social”.

Na perspetiva de um turismo acessível a todos, não podemos esquecer ainda as pessoas com limitações, começando, desde logo, por adequar os espaços à sua mobilidade. Respondendo igualmente às necessidades daqueles que estão desprovidos de condições económicas para usufruírem dos bens do turismo, sabendo que várias situações de deficiência se cruzam também com a pobreza.

 

Celebrando ainda o Ano Santo da Misericórdia, julgo que a promoção de um turismo acessível a todos se pode compreender a partir precisamente das obras de misericórdia. Considerando a pessoa na sua globalidade e conscientes do valor antropológico do descanso, aliado à formação cultural e ao enriquecimento pessoal, que advém da prática do turismo, a proposta da sua acessibilidade universal não nos deve deixar indiferentes.

Que esta seja outra forma de servir a pessoa, na consideração da sua dignidade pessoal.

 

Lisboa, 18 de setembro de 2016

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho

Diretor da ONPT

 [1] Cf. Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes – Turismo para todos: promover a acessibilidade universal. Mensagem para o Dia Mundial do Turismo 2016, Cidade do Vaticano, 24 de Junho de 2016, nº 2.

 [2] Organização Mundial do Turismo (OMT) – Código Mundial de Ética do Turismo. Santiago do Chile, 1 de Outubro de 1999, art. 7°, nº 1. Cf. Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes – Turismo para todos: promover a acessibilidade universal. Op. Cit., nº3.

[3] Cf. Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes – Turismo para todos: prover a acessibilidade. Op. Cit., n° 4. Cf. Idem – Orientações para a Pastoral do Turismo. Braga: Edição da Obra Nacional da Pastoral do Turismo, 2015, nº 24, p. 34.

[4] Idem – Orientações para a Pastoral do Turismo. Op. Cit., nº 24, p. 34.

[5] Ibidem, nº 24, p. 34.

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