Nota da ONPT para o início da Época Balnear de 2020

1. Na atual situação pandémica, em que nos encontramos, a atividade turística foi das que mais sofreu em termos de perdas, de entre todas as atividades económicas e sociais, devido às suas características, atendendo a que ela assenta a sua ação na mobilidade de pessoas e na consequente utilização da diversidade de serviços que lhe correspondem. O confinamento, em vários países; o fecho de fronteiras; a imobilização de meios de transporte, particularmente o transporte aéreo; o encerramento de monumentos, de museus, espaços de lazer e de recreação; o teletrabalho; o cancelamento de múltiplas atividades culturais, recreativas e mesmo de grandes congressos profissionais; obrigou a uma mobilidade reduzidíssima, assente apenas nas atividades essenciais, o que motivou uma quase estagnação, que todos conhecemos, nos vários setores desta atividade humana e económica. Ora, vivendo o turismo desta mobilidade de pessoas e das suas múltiplas atividades, o setor confrontou-se, quase de um momento para o outro, com uma suspensão generalizada de toda a sua atividade, com as consequências económicas e sociais que todos conhecemos. Portugal, que até ao final de fevereiro continuava a crescer percentualmente na atividade turística, por comparação com períodos homólogos, fazendo depender muito do seu crescimento económico desta atividade, vê-se abruptamente privado dos seus recursos, com as consequências económicas, sociais e laborais que daí resultaram e que ainda terão de ser contabilizadas num futuro próximo.

Não obstante, a nossa resposta foi rápida e criativa. Pese embora a incerteza sobre o futuro do turismo, a curto e médio prazo, diversas instituições do setor, tendo à cabeça a Secretaria de Estado, o Turismo de Portugal e a Confederação do Turismo de Portugal, tomaram medidas adequadas à salvaguarda, reorientação e perspetiva de retoma da atividade no setor. Sabemos, contudo, que as consequências são inevitáveis: para o país, para as empresas e para as pessoas, especialmente para aquelas que dependem laboralmente do dinamismo da atividade turística; algumas delas, inclusive, com vínculos laborais muito precários, quer pelo facto de serem prestadores de serviços, quer pela sazonalidade, que ainda persiste nalguma desta atividade. Sem deixarmos de considerar, também, as demais atividades económicas e sociais indiretas que beneficiam da atividade turística e que sofreram igualmente perdas muito significativas.

O tempo que se avizinha, cheio de incertezas, tem de continuar a exigir resiliência, com recurso às medidas de apoio público necessárias; criatividade; reorganização; e, sobretudo, uma grande esperança na retoma, certamente mais consciente, articulada com outras áreas do desenvolvimento económico e social, mais sustentável do ponto de vista ambiental, e mais diversificado na oferta de novos destinos, desconcentrando os produtos e territórios a privilegiar. Também assim, hoje, como noutros períodos de crise, ainda que de causas distintas, se podem abrir novas perspetivas de investimento e de diversificação de atividades neste setor do turismo.

 

2. Desde logo, esta paragem abrupta fez-nos olhar de um modo renovado para as possibilidades do Turismo em Portugal: os seus ativos, que permanecem e devem ser valorizados; os polos diversificados de atividade e a possibilidade de desconcentrar a oferta turística; a urgência de continuar a implementar medidas de qualidade – sanitária e ambiental; e a segurança, cujo conceito agora se alarga neste setor da atividade, como nos demais setores.

Se continuamos a considerar como ativos, para a atividade turística, as nossas paisagens naturais, a longa costa marítima, a gastronomia, a cultura, o património, entre tantos outros elementos que temos para oferecer e que se mantêm (os denominados «ativos endógenos», «não transacionáveis», alguns deles «emergentes»[1]), valorizando-os e diversificando-os, como possibilidade de continuidade no futuro; urge cuidar, de um modo muito especial, no momento presente, daquele «ativo transversal»[2] que são as pessoas, concretamente aquelas que laboram na atividade turística. Não deixando que quadros formados, ao longo dos últimos anos, se percam no desemprego, pelas dificuldades económicas do presente, mas se reforcem medidas de preservação dos lugares de trabalho, em ordem à retoma futura. É que, para além das responsabilidades laborais e sociais que se acometem à atividade turística, o turismo é essencialmente «uma atividade de pessoas para pessoas», como tantas vezes temos referido e como refere, igualmente, o Turismo de Portugal.[3] Assim, urge, na hora presente, não descuidar este ativo, que deve ser revalorizado, para dar continuidade, no futuro, à arte de bem receber, continuando a desenvolver competências no acolhimento e nas relações humanas; mas sustentando também, numa hora difícil, aqueles que foram os ativos de sucesso em tempos de prosperidade da atividade turística. Seja o estado, as empresas, ou outros operadores turísticos, todos devem sentir a responsabilidade de preservar estes quadros, que tanto favoreceram o turismo em Portugal, nos últimos tempos. Sabendo e reconhecendo que algumas empresas, bem como operadores diversos, estão efetivamente empenhados nesta manutenção dos seus funcionários, mesmo no quadro das dificuldades presentes. Não deixando ainda de se cuidar, por vias diversas, dos trabalhadores precários, constituindo-se bolsas de emprego, que possam recolocar na atividade turística aqueles que já têm experiência neste setor, aquando da sua retoma, após este tempo de pandemia.

 

3. O ano de 2020, com esta marca particular que o caracteriza – um ano de pandemia! -, exige a reorganização da atividade turística, acentuando alguns traços essenciais! Em primeiro lugar, haverá um incremento do turismo interno, já visível nas campanhas publicitárias nesse sentido, mas essencialmente devido à insegurança na procura de destinos externos, ou ainda pelas limitações de deslocação de turistas que pretendam chegar do exterior ao nosso país. Em segundo lugar, os locais de baixa densidade populacional, como são as aldeias do interior, o turismo rural, a montanha, ou até as zonas mais desconhecidas da costa marítima, verão a sua procura reforçada, o que poderá constituir um valor para o futuro, na revalorização e promoção destes destinos de baixa densidade e num reequilíbrio da atividade turística na totalidade do território português, servindo, assim, um bem comum, mais alargado. Em terceiro lugar, teremos um turismo com grupos mais restritos, essencialmente familiares, o que permitirá uma desconcentração do denominado turismo de massa, com uma possibilidade de maior criatividade familiar e com alguns ganhos, devemos dizê-lo, para algum reequilíbrio ambiental. Por fim, teremos, muito certamente, uma maior procura dos espaços naturais, o que possibilitará, nas palavras do Papa Francisco, «um tempo sereno de descanso, de gozo da beleza da criação e de reforço dos laços com os homens e com Deus»[4].

Estas características da atividade turística, exigidas pelo momento presente, que esperamos seja transitório e rapidamente ultrapassado, por razões óbvias, não poderão, contudo, deixar de pesar na reflexão e reorganização da atividade turística de futuro: por questões de equilíbrio humano; de valorização do autêntico descanso; privilegiando os grupos de proximidade, especialmente a família; revalorizando os territórios de baixa densidade, com desconcentração geográfica e benefício mais alargado para comunidades do interior; e com fortes preocupações ambientais, determinantes para o nosso futuro comum. Sem nunca nos fecharmos, obviamente, àquele dinamismo próprio da atividade turística que se caracteriza pelo encontro de pessoas e de culturas, e onde se renovam os autênticos laços de fraternidade e de acolhimento na diversidade.

 

4. Algumas propostas Pastorais:

a) Antes de mais, este ano exige de todos uma autêntica atitude cívica, que para nós cristãos se entende também como vivência da caridade, na salvaguarda da saúde pessoal, da dos demais, e no bem da comunidade, cumprindo as normas de saúde decretadas pelas competentes autoridades públicas, na praia ou no campo;

b) Redescobrir o sentido da vida e seus fundamentos, numa leitura crente da realidade histórica, concretamente na compreensão da realidade presente, passando de uma recreação que dispersa a um descanso que recentre nos verdadeiros valores da vida; inclusive com recurso à leitura, à reflexão pessoal e à celebração sacramental, no quadro da oferta criativa das comunidades cristãs;

c) Promover uma maior criatividade e comunhão familiar, em contexto de descanso e de lazer, depois da exigência de uma relação vivida em confinamento, por vezes associado aos compromissos de trabalho e de estudo;

d) Promover o bem das diversas comunidades, com oferta turística num tecido geográfico mais alargado, criando oportunidades de desenvolvimento local para todos, sobretudo nos espaços de menor procura; sempre no respeito pela identidade e equilíbrio de cada local a visitar ou a fruir;

e) Acompanhar e cuidar dos que estão mais debilitados com a crise do setor do turismo (desempregados; empresas do setor em maior dificuldade; atividades indiretas mais atingidas); colaborar com instituições públicas e privadas nas respostas emergentes a estas necessidades;

f) Cooperar com todas as instituições públicas e privadas no alavancamento de algumas atividades turísticas, nomeadamente pela disponibilização criteriosa do património, para visita, revalorizando os ativos locais (forte desafio que continua a fazer-se à Igreja, para que disponibilize e apresente com critério evangelizador o seu património, que é património comum);

g) Potenciar uma nova perspetiva da atividade turística, fundamentada num «contacto mais personalizado», com recurso a «grupos mais restritos»[5], prática já em vigor no turismo rural, respeitando e valorizando o equilíbrio ecológico;

h) Fomentar uma nova perspetiva ecológica em toda a atividade turística, contribuindo para a definição de códigos de conduta a observar pelo setor; sabendo, desde logo, que esta é uma condição para a sua própria sobrevivência.

Coimbra, 27 de Junho de 2020
Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho

 

[1] Turismo de Portugal – Estratégia Turismo 2027. Liderar o Turismo do Futuro. Lisboa, Setembro de 2017, p. 46.
[2] Cf. Ibidem, p. 47.
[3] Cf. Ibidem, p. 47.
[4] Papa Francisco – Audiência Geral de 24 de Junho de 2020. In Agência Ecclesia – Vaticano: Papa deixa conselhos para férias em tempos de Covid-19, Lisboa, 24 de Junho de 2020 (Disponível em: http://www.agencia.ecclesia.pt).
[5] Conselho Pontifício para a Pastoral do Migrantes e Itinerantes – Orientações para a Pastoral do Turismo. Edição da Obra Nacional da Pastoral do Turismo. Libreria Editrice Vaticana, 2015, nº 8, p. 13.

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