Nota da Obra Nacional da Pastoral do Turismo (ONPT) para a Época Balnear de 2018

Introdução

A atividade turística, hoje diversificada, pese embora a sua particular realização no lazer e no conhecimento, compreende, na sua essência, a experiência do encontro – encontro de pessoas, de culturas e de sociedades. Como bem referia Nunes Barata, num dos primeiros estudos sobre o turismo, em Portugal, datado de meados do século XX, «o turismo serve interesses humanos, mesmo para lá e acima da sua expressão monetária: com ele abrem-se os povos a um melhor conhecimento recíproco, cujos frutos se traduzem num enriquecimento do património cultural da humanidade, num fortalecimento da solidariedade e da paz»[1].

Com efeito, o encontro, que na sua raiz latina invenio significa também «revelar-se» e «reconhecer-se»[2], pode, na atividade turística, proporcionar uma autêntica comunhão de pessoas, na atitude recíproca de revelação e de reconhecimento, que conduz à verdadeira alteridade e à partilha. Se é certo que se devem precaver os fins ilícitos do turismo, enquanto exploração ou agressão às pessoas, às culturas ou à natureza[3]; este pode servir, fundamentalmente, «uma relação mais humana com outras pessoas»[4], bem como o autêntico desenvolvimento humano integral[5]. Na consciência de que esse desenvolvimento pressupõe o reconhecimento interpessoal, mas também a cultura e o compromisso permanente da construção social.

Assim, consideraremos nesta nota, ainda que muito brevemente, estes três aspetos do turismo como encontro – encontro de pessoas, encontro de culturas e encontro de sociedades.

 

1. Encontro de pessoas

Ficou já expresso o sentido profundo do encontro interpessoal, enquanto reconhecimento e alteridade. O turismo proporciona efetivamente um diálogo pessoa a pessoa[6], que conduz à aceitação do outro, sem reservas, e a um enriquecimento mútuo que advém da partilha de modos de ser, de sentir e de viver distintos. Neste sentido, para que o diálogo seja efetivo, entre nós, urge revalorizar permanentemente todas as formas de acolhimento, meio eficaz para uma autêntica reciprocidade entre quem nos visita e nós, que recebemos, na perspetiva da construção daquele humanismo e solidariedade de que o turismo se deve revestir.[7]

De entre todas as formas de acolhimento, sobressai, para as nossas comunidades cristãs, a celebração conjunta dos mistérios da fé, de sobremaneira na celebração da Eucaristia. Aqui as comunidades não vivem simplesmente o encontro com os turistas, mas experimentam uma comunhão íntima, em Cristo Ressuscitado, que vai muito além dos laços de sangue e de cultura[8], experimentando uma verdadeira comunhão fraterna[9]. Vivência que depois deve ser complementada com outras formas de acolhimento no seio das nossas comunidades.

De igual modo, o acolhimento devido aos irmãos de outras confissões cristãs proporciona-nos a abertura à diferença nas formas de vivência da fé, mas igualmente a dor da separação, constituindo-se como um espaço privilegiado de diálogo e de empenho no trabalho conjunto pela unidade de todas as Igrejas – o denominado «empenho ecuménico»[10] -, a que todos estamos chamados. O mesmo se afirmando relativamente aos irmãos de outras religiões, que devem ser por nós acolhidos com todo o zelo, sabendo que todos temos a mesma origem em Deus e para Ele caminhamos, segundo os Seus desígnios de salvação; realizando aquele princípio do Concílio Vaticano II, que hoje, talvez mais que ontem, ganha particular acuidade: «não podemos invocar Deus como Pai comum de todos, se nos recusarmos a tratar como irmãos alguns homens, criados à Sua imagem» (NA. 5). O que levou a Igreja a reprovar como «contrária ao espírito de Cristo» toda a descriminação, ou violência, praticadas por motivos «de raça ou cor, condição ou religião» (NA. 5).

Na atividade turística, o primeiro encontro é sempre com a pessoa do outro, que interpela ao seu reconhecimento, à sua aceitação e ao crescimento conjunto, na diversidade pessoal e cultural. Realizando, assim, aquela humanidade e fraternidade que o turismo deve favorecer. Este é o primeiro encontro a que devemos atender entre nós.

 

2. Encontro de culturas

O turismo permite um singular encontro de culturas. Sabendo que, uma vez mais, no centro deste encontro está o diálogo, enquanto abertura ao outro, na pessoa do turista, e na comunicação de si – daquele que acolhe: do seu ser pessoal e das múltiplas capacidades do seu espírito e do seu corpo, na expressão das suas experiências espirituais e aspirações mais profundas, mediante as quais se exprime e comunica aos demais (cf. GS. 53). Isto é, na sua cultura.

Como referia o Papa João Paulo II, o diálogo cultural, na atividade turística, conduz à abertura aos outros, «confrontando-se com os diferentes modos de pensar e de agir»[11], porquanto «o turismo põe em contacto com outras formas de viver, com outras religiões, com outras formas de ver o mundo e a sua história»[12]. Assim, este diálogo cultural, vivido num conhecimento recíproco de indivíduos e povos, contribui, então, para a autêntica «construção de uma sociedade mais solidária e fraterna»[13], capaz de promover a paz e a solidariedade, como um dos maiores bens que a atividade turística pode proporcionar.[14]

Mas este diálogo só é eficaz se for verdadeiramente respeitador da identidade e dos valores de cada cultura. Se, por um lado, quem recebe deve oferecer ao turista a sua cultura, com uma clara consciência da sua identidade e respetivos valores[15]; por outro, quem visita deve assumir o compromisso de a conhecer, viver e proteger ciosamente[16], sem pretender que a cultura alheia se transforme simplesmente num bem de consumo[17], ou procurando reduzi-la a uma expressão inferior diante de uma certa homogeneização cultural que dissolva as diferenças. No diálogo cultural, só a participação de «igual para igual», como referia o Papa João Paulo II, pode permitir a autêntica «compreensão», o «conhecimento recíproco» e a «distensão entre os homens»[18].

Ora, com estas perspetivas, somos convidados a acolher quem nos visita, apresentando com toda a diligência o nosso património cultural – material e imaterial –, para que os turistas possam conhecer a nossa identidade, apresentada em harmonia com a vida quotidiana, e assim vivenciem uma experiência de comunhão que vai muito além de um simples conhecimento.[19] De igual modo, somos convidados a acolher as diferenças culturais, que cada turista comporta na sua identidade e sensibilidade, estabelecendo um autêntico diálogo cultural, capaz de promover, de forma eficaz, uma sociedade mais solidária e fraterna, como nos pedia o Papa João Paulo II.[20]

 

3. Encontro de sociedades

Na hora presente, o mundo confronta-se com uma realidade paradoxal: por um lado vivemos num mundo globalizado, em que «praticamente caíram as barreiras que isolavam os povos e os tornavam desconhecidos uns dos outros»[21], como referia João Paulo II; por outro, constatamos que algumas sociedades hodiernas tendem a fechar-se sobre si, particularmente no que toca ao acolhimento de estrangeiros de um modo permanente. Neste contexto, tem sido dramática a situação dos refugiados: seja pela incapacidade de os acolher, permitindo-lhes condições dignas de vida; seja pelo preconceito cultural e religioso que grassa, cada vez mais, em certas sociedades, como fundamento dessa recusa.

Neste contexto, e face ao aumento da prática do turismo em todo o mundo, podemos dizer que esta atividade humana pode contribuir singularmente para o diálogo entre civilizações, capaz de promover a solidariedade e a paz, bem como contribuir para a construção de uma sociedade mais fraterna, que atenda particularmente ao clamor dos mais pobres, proporcionando-lhes meios suficientes para uma vida digna.

O turismo, pela sua natureza, constitui um ótimo recurso para esse profícuo diálogo entre civilizações, quer pelo conhecimento mútuo e o intercâmbio de experiências[22], quer pela capacidade de acolhimento das diferenças, o que pressupõe, necessariamente, o respeito pela autenticidade da realidade de cada um.[23] Este diálogo, facilitador da compreensão e da aceitação mútua, será ainda promotor da solidariedade entre pessoas e povos, contribuindo para a denominada «globalização na solidariedade»[24], tão desejada pelo Papa João Paulo II. Mas tal solidariedade só será possível se o turismo, a par do desenvolvimento económico, se pautar por renovadas exigências éticas, colocando a pessoa, na sua dignidade e nos seus direitos, no centro da sua ação[25], sabendo que «toda a atividade turística tem como protagonista a pessoa e procura satisfazer algumas das suas aspirações mais íntimas e pessoais»[26]. Assim, com esta perspetiva, o turismo deve servir sempre o princípio da solidariedade e da justiça, quer nas diversas interações pessoais, quer especialmente na opção preferencial pelos pobres.[27]

Por outo lado, ainda, o diálogo entre civilizações servirá o desígnio da paz, como bem reconheceu o Papa João Paulo II: «o turismo é reconhecido como fator de encontro e de paz entre os povos»[28]. Requerendo-se, para tal, que todos os operadores turísticos trabalhem este campo da ação humana num sincero respeito e amor pelos irmãos, visível nas intenções, mas especialmente no seu modo de agir.[29]

Entre nós, urge trilhar estas perspetivas, partindo do princípio aglutinador de que o turismo está, antes de mais, ao serviço das pessoas, de cada pessoa. Se é certo que, por natureza, somos um povo acolhedor, aberto ao diálogo com as demais culturas e vivências civilizacionais, há ainda um trabalho profundo a realizar, na implementação dessa nova ética do turismo, que vá além do lucro e se centre efetivamente no serviço à pessoa. O encontro com civilizações e culturas diferentes tem de empenhar-nos, ainda mais, num acolhimento sincero e permanente a cada irmão, sobretudo em situações de carência ou de pobreza. Num esforço de solidariedade que reclama o nosso empenho contínuo – pessoal e interinstitucional. Sem descurar as demais interpelações.

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho
Diretor da Obra Nacional da Pastoral do Turismo
* Nota da Obra Nacional da Pastoral do Turismo (ONPT) para a Época Balnear de 2018 (Luso, 04.07.2018).

 

_______________

[1] BARATA, José Fernando Nunes – O Turismo em Portugal. Biblioteca do Centro de Estudos Político-Sociais. Lisboa: Companhia Nacional Editora, 1964, p. 11.

[2] Voc. Invenio. FERREIRA, António Gomes – Dicionário de Latim-Português. Dicionários Editora. Porto: Porto Editora, [s.d.], p. 621.

[3] Cf. CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES – Orientações para a Pastoral do Turismo. Edição da Obra Nacional da Pastoral do Turismo. Braga: Libreria Editrice Vaticana, 2015, nº 4, p. 8 (Em próximas citações, indicaremos apenas: Orientações para a Pastoral do Turismo, com os respetivos números e páginas). Cf. PAPA JOÃO PAULO II – Ecoturismo, chave de desenvolvimento sustentável. Mensagem para o Dia Mundial do Turismo 2002. Vaticano, 24 de Junho de 2002, nº 1.

[4] Ibidem, nº 7, p. 12.

[5] Cf. Ibidem, nº 3, p. 7.

[6] Cf. GODINHO, Carlos Alberto da Graça – O acolhimento na Pastoral do Turismo. Nota da Obra Nacional da Pastoral do Turismo para a Época Balnear de 2014. Luso, 11 de Julho de 2014, nº 4

[7] Cf. Ibidem, nº 3. Cf. Conclusões. Seminário: O coração do Turismo é o Homem. Serviço de Apoio à Pastoral da Mobilidade Humana. Angra do Heroísmo, 24 a 25 de Setembro de 2005.

[8] Cf. Orientações para a Pastoral do Turismo, nº 19, p. 26.

[9] Cf. Ibidem, nº 19, p. 26.

[10] Cf. Ibidem, nº 19, p. 28.

[11] Ibidem, nº 3.

[12] PAPA JOÃO PAULO II – Mensagem para o XXII Dia Mundial do Turismo. Vaticano, 9 de Junho de 2001, nº 3.

[13] Ibidem, nº 5.

[14] Cf. Orientações para a Pastoral do Turismo, nº 9, p. 13. Cf. PAPA JOÃO PAULO II – Mensagem para o XXII Dia Mundial do Turismo. Op. Cit., nº 5.

[15] Cf. Orientações para a Pastoral do Turismo, nº 9, p. 13.

[16] Cf. Ibidem, nº 9, p. 13.

[17] Cf. Ibidem, nº 9, p. 13.

[18] PAPA JOÃO PAULO II – Mensagem para o XXII Dia Mundial do Turismo. Op. Cit., nº 5.

[19] Cf. Orientações para a Pastoral do Turismo, nº 20, p. 28. Cf. Ibidem, nº 9, p. 14.

[20] Cf. PAPA JOÃO PAULO II – Mensagem para o XXII Dia Mundial do Turismo. Op. Cit., nº 5.

[21] Ibidem, nº 1.

[22] Cf. Cf. Ibidem, nº 2.

[23] Cf. Cf. Ibidem, nº 2.

[24] Orientações para a Pastoral do Turismo, nº 13, p. 20.

[25] Cf. Ibidem, nº 25, p. 35. Cf. Ibidem, nº 26, p. 36.

[26] Ibidem, nº 25, p. 35.

[27] Cf. Ibidem, nº 25, p. 35.

[28] PAPA JOÃO PAULO II – Mensagem para o III Dia Mundial do Turismo. Vaticano, [s.d.], nº 3.

[29] Cf. Ibidem, nº 3.

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