Dia Mundial do Turismo, 27 de setembro de 2019

Introdução:

   O tema proposto à nossa reflexão para o próximo Dia Mundial do Turismo – 27 de setembro – resulta da iniciativa da Organização Mundial do Turismo que nos centra na consideração do «turismo e o trabalho: um futuro melhor para todos». Esta temática está em sintonia, ainda, com a iniciativa de reflexão sobre o «futuro do trabalho», da Organização Mundial do Trabalho, agora a celebrar o seu centenário.[1] Em conformidade com estas propostas de reflexão, o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral publicou a sua nota para o Dia Mundial do Turismo, deixando-nos algumas orientações pastorais.[2] Urge considerá-las nos seus fundamentos, à luz da Doutrina Social da Igreja, e de adequá-las pastoralmente à nossa realidade nacional.

 

  1. O Trabalho

O trabalho constitui uma dimensão fundamental da condição humana – na singularidade de cada pessoa e na prossecução de um verdadeiro bem comum.

Na perspetiva da Doutrina Social da Igreja, o trabalho compreende os seguintes objetivos fundamentais: é constitutivo da dignidade da pessoa, quer no sentido da sua realização pessoal, quer no da sua subsistência (cf. GS. 67); é elemento constitutivo da realização humana, permitindo o desenvolvimento das qualidades e da personalidade de cada pessoa (cf. AO. 14); e contribui para o bem comum, porquanto serve o desenvolvimento do património de toda a família humana, que se constrói em conjunto (cf. LE. 10), sendo este destinado a todos, segundo o princípio do destino universal dos bens (GS. 69).

Assim, podemos dizer, com o Papa João Paulo II, que o trabalho compreende um «bem útil» e um «bem digno» (LE. 9), uma vez que serve a dignidade da pessoa, a sua subsistência e da sua família, e promove o autêntico bem comum.

É também nesta mesma perspetiva que a nota para o Dia Mundial do Turismo, do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, situa o trabalho humano, ao afirmar que este «expressa a dignidade da pessoa criada à imagem de Deus»; assegura o «emprego», como meio de subsistência e de realização pessoal; e promove o «desenvolvimento integral da pessoa e da comunidade» onde cada um se insere.[3] Só vivido assim, refere ainda o Dicastério, o trabalho pode ser «decente», «equitativo» e «livre», construído «em torno da pessoa e das suas necessidades de desenvolvimento integral»[4]; princípios fundamentais para que se assegurem os valores da «paz», da «segurança», da verdadeira «promoção humana» e da «inclusão social»[5].

 

  1. O Turismo e o Trabalho

O que se referiu sobre o trabalho, na sua generalidade, ganha particular acuidade na relação com o turismo, especialmente agora, quando a atividade turística continua a crescer exponencialmente, tornando-se responsável pela criação de uma grande multiplicidade de empregos, diretos e indiretos.[6] Segundo a Organização Mundial do Turismo, um em cada onze postos de trabalho são gerados pela atividade turística[7]. Uma realidade averiguável no plano internacional, mas igualmente bem visível no contexto do nosso país.

A atividade turística tem de estar, primeiramente, ao serviço da dignidade da pessoa, não apenas de quem usufrui desta atividade, mas igualmente de quem nela trabalha. Deve servir a dignidade humana pela via da satisfação das necessidades económicas e de subsistência dos trabalhadores do turismo (cf. GS. 67; PT, 20), numa partilha solidária, justa e equitativa, que sirva a todos (cf. GS. 66); mas igualmente pela via da realização pessoal, permitindo que também, nesta atividade, cada um possa desenvolver as suas qualidades, personalidade e capacidades (cf. AO. 14). Assim, com o crescimento da atividade turística devem averiguar-se permanentemente as condições de empregabilidade, numa equilibrada relação entre direitos e deveres dos trabalhadores, ultrapassando-se toda a forma de exploração e de precariedade, não raro ainda presentes, particularmente quando a atividade está dependente da sazonalidade.[8] Por outro lado, a atividade turística adaptando-se às novas exigências do mercado, deve facultar a formação necessária aos seus agentes, promovendo, ainda, uma sábia criatividade e de desenvolvimento de novas capacidades. Neste sentido, os jovens detêm aqui um lugar fundamental, seja pela sua criatividade, formação humana e técnica, ou pela sua capacidade de comunicação – áreas a privilegiar em todas as áreas do turismo.

A atividade turística só serve igualmente a sua missão se for meio de promoção do «desenvolvimento integral de cada homem e de todos os homens», «cooperando no desenvolvimento das comunidades» e «favorecendo a criação de relações de amizade e de fraternidade entre pessoas e povos»[9]. Em Portugal, para além de uma permanente necessidade de correção de assimetrias geográficas, importa promover as potencialidades de cada região, de desenvolver os seus produtos endógenos – elementos naturais, artesanato, património cultural: material e imaterial – para que todo o território beneficie, no seu todo, da atividade turística. De igual modo, as políticas de redistribuição dos benefícios económicos do turismo devem evidenciar esta solidariedade nacional, com um desenvolvimento igualitário de todo o território português.

Só assim podemos realizar, também entre nós, aquele princípio definido pelo Papa João Paulo II, na sua mensagem para o 24º Dia Mundial do Turismo, ao afirmar que este serviço «deve ser considerado como uma expressão particular da vida social, com os seus aspetos económicos, financeiros e culturais, e com consequências decisivas para os indivíduos e os povos. A sua relação direta com o desenvolvimento integral da pessoa deveria orientar o seu serviço, assim como as outras atividades humanas, para a edificação da civilização, no sentido mais autêntico, e completo, ou seja, para a construção da “civilização do amor”»[10].

 

  1. Propostas Pastorais

Das considerações feitas, evidenciam-se algumas indicações pastorais, que havemos de assumir, em conformidade com a Doutrina Social da Igreja, e que aqui enunciamos, não de forma exaustiva, mas abertas a muitas outras considerações na abordagem do que deve considerar-se, também no turismo, um trabalho digno – um bem «digno» e «útil» (cf. LE. 9), para usar, uma vez mais, os conceitos do Papa João Paulo II:

 

  1. A atividade turística deve servir a pessoa e a sua dignidade. Para além dos resultados económicos que esta atividade permite, em termos de balança comercial, a atividade turística, como as demais atividades humanas, procedendo da pessoa e a ela se ordenando (cf. GS. 35), deve visar o seu desenvolvimento integral.
  2. O turismo deve assegurar a justa remuneração dos seus trabalhadores, em conformidade com as responsabilidades de cada um. Pese embora a diversidade de responsabilidades, tem de evitar-se qualquer forma de exploração das pessoas, particularmente nos trabalhos mais modestos e com mão-de-obra menos qualificada, evitando ainda todas as formas de ilegalidade ou de precariedade, assegurando-se a todos uma justa remuneração e um equilibrado tempo de trabalho.
  3. A equidade nas remunerações deve compreender ainda as competências de cada pessoa, as tarefas desenvolvidas e a responsabilidades assumidas. Não será compreensível uma remuneração desigual em função do género, conforme sejam assumidas por homens ou por mulheres. De igual modo, os jovens que acedem ao mercado de trabalho, na atividade turística, devem poder fazer a sua progressão natural no mundo do trabalho, sendo remunerados em função dessa mesma progressão.
  4. Os jovens devem beneficiar de planos de formação e de habilitação diversificados para operar na atividade turística. Felizmente já existem hoje, a par das licenciaturas, diversos cursos profissionais que preparam para os múltiplos trabalhos no turismo. Este esforço deve persistir, sobretudo quando ainda falta ainda mão-de-obra qualificados para esta área da ação humana. Não devemos olvidar, ainda, as imensas possibilidades que os jovens trazem hoje para a atividade turística, nomeadamente ao nível da sua promoção e da comunicação, a necessitarem de acolhimento e de estímulo.
  5. O trabalho na atividade turística deve atender à pessoa nas suas diversas inter-relações: familiares, sociais e eclesiais. Não deverá por isso cercear estas relações, particularmente nas épocas de atividade mais intensa, mas sim permitir um equilíbrio entre atividade, descanso e lazer, que vise um verdadeiro equilíbrio da pessoa e uma sã convivência interpessoal.
  6. Atendendo a que alguma atividade turística ainda é definida pela sazonalidade, deverão promover-se iniciativas que permitam alguma regularidade no trabalho: seja por via de uma atividade turística complementar, eventualmente com alguma mobilidade interna, nas empresas; seja por via de compromissos entre instituições locais, que facilitem o trabalho; ou ainda pelo incentivo à formação dos que trabalham nesta área do turismo.
  7. A atividade turística deve compreender um claro compromisso comunitário: servindo o desenvolvimento integral do território, deve potenciar fatores endógenos da cada região, mediante programas de incentivo, formação, e desenvolvimento de parcerias com os municípios.
  8. O turismo deverá servir um autêntico desenvolvimento humano, social e cultural. Assim, pela sua especificidade, deverá formar para o diálogo intercultural, para a promoção das culturas locais, no respeito pela identidade de cada comunidade, e, muito especialmente, formar para o acolhimento das pessoas, sabendo que o turismo vive precisamente do autêntico encontro interpessoal.

Coimbra, 16 de Setembro de 2019

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho

 

__________

[1] Cf. Peter Turkson – Il Turismo e il lavoro: un futuro migliore per tutti. Mensagem do Dicastério para o Serviço Humano Integral para o Dia Mundial do Turismo 2019. Vaticano, 23 de Julho de 2019. (Citaremos apenas como Mensagem para o Dia Mundial do Turismo 2019).

[2] Cf. Ibidem

[3] Cf. Ibidem

[4] Ibidem

[5] Cf. Ibidem

[6] Cf. CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES – Orientações para a Pastoral do Turismo. Edição da Obra Nacional da Pastoral do Turismo. Braga: Libreria Editrice Vaticana, 2015, nº 11, p. 15.

[7] Cf. Mensagem para a o Dia Mundial do Turismo 2019. Op. Cit.

[8] Cf. Ibidem. Cf. Orientações para a Pastoral do Turismo. Op. Cit., nº 11, p. 16.

[9] Mensagem para o Dia Mundial do Turismo 2019.

[10] PAPA JOÃO PAULO II – Mensagem para o Dia Mundial do Turismo de 2003. Vaticano, 11 de Junho de 2003, nº 1 (o Santo Padre cita a Encíclica Sollicitudo Rei Socialis, nº 33). Cf. Mensagem para o Dia Mundial do Turismo 2019.

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